terça-feira, agosto 19, 2008

Entrevista ao Professor Jorge Miranda - parte 1/3

"Sempre fui uma pessoa mais séria, mais ordenada"

Onde nasceu?

Nasci em Braga, na Avenida Central. Nasci em casa de família. Os meus pais viviam no Porto naquela altura mas foram passar a Páscoa a Braga e eu nasci nessa altura. Toda a minha família é de Braga, mas o meu pai era médico e exercia a profissão no Porto. Nasci em Braga por sorte, podia ter sido no Porto. A minha mãe era “dona de casa”, como se dizia nessa altura.

Ainda mantém alguma relação com Braga?

Já morreram os meus pais, os meus avós, mas tenho duas tias e muitos primos. Ainda tenho uma casa em Moledo do Minho e vou a Braga quase todos os meses. Tenho uma ligação a Braga muito forte. Considero-me sempre um minhoto que está emigrado em Lisboa.

Já cá está há muitos anos...

Vim para Lisboa nos meus tempos de Liceu, nos anos 50. Os meus pais vieram e eu acompanhei-os. Vim transferido do liceu de Braga para o Liceu Camões.

Como eram os seus pais?

Eram pessoas normais. O meu pai talvez mais brando com os filhos do que a minha mãe, que era mais severa. Ele era uma pessoa de tendência liberal, até num plano mais político. Com os filhos dava uma grande liberdade, embora sempre muito preocupado com a nossa educação, com a nossa escolaridade. Sempre incentivando e orientando no sentido de estudarmos bem. Essa foi sempre a grande preocupação dele.

Como foi a sua infância?

Posso dizer que tive uma infância normal, feliz, com momentos de menor e de maior alegria. Os meus melhores momentos, como para qualquer criança, eram quando ia de férias, principalmente quando ia para o Minho. Então quando ia para Moledo do Minho era um deslumbramento. A praia de Moledo já não é tão maravilhosa como era, com toda a construção, mas ainda continua a ser uma praia muito bonita. Tenho a minha afectividade lá. Todas as minhas recordações de infância e da juventude. As minhas férias em Moledo foram os meus momentos mais felizes.
Passava as férias só com os meus pais e o meu irmão. Depois havia familiares e amigos que iam almoçar lá connosco, mas a casa era só para nós.

Teve uma vida confortável, sendo o seu pai médico?

Não vivia com grandes dificuldades, mas também sem grandes abastanças. Era o Portugal dos anos 50 e 60, que não era o Portugal de hoje. As pessoas vivem bastante melhor agora.

Como era a sua relação com o seu irmão?

Foi o maior desgosto da minha vida. O meu irmão [Carlos Miranda] era médico e, não é por ser meu irmão, mas era um proeminente neurologista. Para além de ser um grande médico, era um grande humanista. Tinha também um grande sentido artístico. Era um pintor amador de qualidade. Morreu estupidamente num desastre de automóvel, com 37 anos.
O maior desgosto, o maior choque da minha vida. Foi num domingo! Estava a chegar a casa e estavam uns colegas dele a anunciar-me que ele tinha morrido. Enfim, uma morte instantânea, num desastre de automóvel. E a coisa que mais me custou na minha vida foi ir dizer aos meus pais o que tinha acontecido…

Os automóveis ainda lhe metem medo?

Ainda hoje sinto um arrepio só de pensar nesse dia. Foi em Janeiro de 1982. Foi terrível e, ao fim de tantos anos, ainda sinto muito isso. E ainda sinto muita falta dele. Há uma relação entre irmãos que é completamente diferente da que há entre outras pessoas, entre cônjuges e entre pais e filhos ou entre colegas ou amigos…
Há uma série de recordações de pequeninos, coisas que vivemos em comum, havia uma grande complementaridade entre nós: eu era um professor de Direito e ele era um homem da ciência. Havia um grande contraste entre nós os dois, de feitios e de formações culturais mas havia também uma grande complementaridade… Havia uma grande solidariedade entre nós… Foi terrível…

Fez o ensino primário no Porto?

Eu na instrução primária não fiz no Porto, mas em Braga. Os meus pais estavam no Porto mas eu estive em casa de uns tios-avós. Curiosamente, os professores que me marcaram mais foram os da instrução primária e os da universidade. Tive um grande professor no Colégio São Geraldo, que era o Sr. Gil, um didacta excelente… Há coisas que agora não se aprendem, mas que deviam, e que nós aprendemos, eu e os meus colegas. São coisas que ficam para toda a vida. O Português, por exemplo. O que eu sei foi o que aprendi até há quarta classe. Marcou-me mais este professor que qualquer outro do ensino liceal.

Quando veio para Lisboa, em que zona veio morar?

Na rua Pinheiro Chagas.

Veio para o Liceu…

Para o Liceu Camões, que comemora agora os seus 100 anos.

Como era a sua vida no Liceu Camões?

Era ir para as aulas….

Houve alguns professores que o tenham marcado?

No Liceu tive professores razoáveis, alguns melhores e outros piores, mas nenhum me marcou em especial.

E colegas, guarda algum na memória?

Tenho vários colegas ainda dessa época, mas não… A personalidade dominante do Liceu Camões era a do reitor, o Dr. Joaquim Ferro Correia, pai do professor Ferro Correia. Era um reitor considerado muito autoritário, e realmente era, mas o liceu funcionava. No sexto ano foi meu professor de filosofia e nós temíamo-lo até bastante. Nós éramos alunos de 15/16 anos e era o reitor, o autoritário. Enquanto professor de filosofia revelou-se uma pessoa extremamente amiga e, até, muito humana, conversando com os alunos. Depois, tivemos muita pena porque no sétimo ano já não foi nosso professor devido às suas ocupações enquanto reitor. Mas não houve nenhum que me marcasse seriamente. Enquanto na universidade as pessoas são mais marcadas, no liceu não.

E era um aluno bem comportado, no liceu?

Sempre fui um aluno bem comportado.

Nunca fez nenhuma tropelia de juventude?

Não, não…

As pessoas normalmente vêem-no como um “atinadinho”. Como encara esta imagem que se tem de si?

Talvez seja. Ao contrário do meu irmão, que era um pouco mais gozão, eu sempre fui uma pessoa mais séria, mais ordenada, nunca fui muito de festas e coisas assim.

Os seus pais alguma vez o repreenderem?

Não, nada …

Costumava ir ao cinema?

Ainda continuo a ir todos os domingos, a não ser que não possa ou que não haja nenhum filme que me interesse.

Lembra-se de algum filme?

Há vários grandes filmes. Eu gostava muito dos filmes de cowbois, de westerns dos anos 50 e 60. O Sociedade Aberta do Rosselini…

E actores favoritos?

Nunca fui muito de actores ou actrizes.

E hoje em dia que filmes vê?

Filmes de qualidade, de todo o género. Quer filmes históricos, românticos, policiais… Desde que sejam bons. Enquanto era mais jovem, principalmente no liceu, gostava mais de filmes de aventuras, de cowbois e de piratas. No meu tempo do liceu havia uma revista juvenil excelente que era o Cavaleiro Andante. E nós líamos com muito gosto e com muita ansiedade. Havia aulas ao sábado, no Liceu Camões, e os alunos estavam lá todos ansiosos para verem. Mas o meu pai só nos dava a revista há hora de almoço, quando voltávamos para casa.

E tinha alguns ídolos?

Não, nunca tive ídolos. Nos anos 60 gostei muito de JF Kennedy, por exemplo, quando ele foi presidente dos EUA. A morte dele foi um choque muito grande. Na Europa, admirava muito o General De Gaulle. Martin Luther King, também.

O que é que o fazia gostar de Kennedy ou de Luther King?

Era uma relação muito forte com as minhas próprias ideias políticas da democracia e da liberdade. Sempre fui, desde o liceu, uma pessoas muito voltada para a democracia e para a liberdade e nunca gostei do regime de Salazar.

Mas, quando estava no liceu, já tinha consciência do regime?

Tinha perfeita consciência. Até porque já em casa, com o meu pai, a minha mãe e toda a minha família, os tios e os avós, havia pessoas que gostavam do regime e outras que não gostavam. O meu pai era dos que não gostava do regime. Não pretendo ter qualquer glória, mas sempre fui um democrata, em toda a minha formação do ponto de vista político.

Quando conheceu a sua mulher?

Foi aqui na faculdade. Ela foi minha colega de curso. Foi progressivamente, não foi um amor há primeira vista. Começou em amizade e acabou em amor.

Eu trato-a por Magda. Ela é de Lisboa.

Foi o seu primeiro amor?

O primeiro e único amor.

Quantos anos de casamento?

Já lá vão 37 anos.

Lembra-se onde se casou e quem convidou?

Isso não tem interesse nenhum. Foi em 1971, em Braga, na Capela de Santa Maria da ???.

Nunca se quis desligar de Braga, nem sequer no casamento…

Não. Aliás, o meu filho foi baptizado em Braga.

Sendo solicitado inúmeras vezes para se pronunciar sobre questões constitucionais, como consegue ter tempo para a família?

É um equilíbrio nem sempre fácil, e muitas vezes sacrifiquei a minha mulher. Tenho consciência disso. Em certas fases, como quando preparei o meu doutoramento ou nos tempos em que estive na assembleia constituinte, e com filhos pequenos, a minha mulher é que, de certa maneira, aguentou as coisas em casa.

De onde vem este gosto pelo Direito?

Curiosamente, havia mais médicos na família do que juristas. Mas tive um avô juiz e um tio-avô advogado. Mas isso não teve nenhuma influência. Eu costumo dizer que vim para Direito por causa do Direito Constitucional, mas não foi. Eu comecei a interessar-me pelo Direito Constitucional a partir das minhas preocupações políticas de democracia, de existirem regras de organização do Estado, regras constitucionais, e, também, por gostar muito de geografia. Mas o Direito veio a seguir.

Quando é que nasceu esse interesse pela Constituição?

Muito cedo. Já no tempo do liceu me interessava. Naquela altura havia uma disciplina, no sexto ou sétimo ano, que se chamava “organização política e administrativa da nação”. Era, em grande medida, mais uma disciplina de propaganda.

Como é que sentiu no primeiro dia em que entrou neste edifício?

Eu entrei cá no ano a seguir à inauguração mas o meu curso foi o primeiro totalmente feito neste edifício. Tinha escolhido vir para Direito, tinha boas notas e, portanto, entrei aqui naturalmente.
Na altura talvez tivesse gostado mais de ter ido tirar o curso de Geografia, tinha mais curiosidade.

Porque não foi?

Não servia para o Direito Constitucional e porque também não queria ser professor de liceu, que era o que iria acontecer.

Mas teve alguma pressão dos pais?

Não. Aliás, na altura também cheguei a pensar em ir para Engenharia, porque gostava bastante de matemática. Mas tinha um problema terrível, que era o desenho. Ao contrário do meu irmão, que tinha um jeito enorme para pintar, e o meu pai para desenhar. Eu sempre fui incapaz de desenhar. Mesmo desenho geométrico nunca fazia as coisas bem. Portanto, nunca poderia fazer Engenharia. Acabei por vir para Direito.

Quando decidiu?

Na passagem do quinto para o sexto ano. Nesta altura as pessoas tinham que escolher as “alíneas”. Havia uma para Medicina, Engenharia, etc, outra para Letras, outra para Direito… E eu escolhi esta. Muito cedo, com quinze anos já tinha decidido vir para Direito.

Mas lembra-se do dia em que entrou nesta faculdade?

A minha primeira aula foi a 20 de Outubro de 1958, com o professor Boaventura.

Apanhava todos os dias o autocarro 31 com o Mota Amaral…

Eu morava na Rua Pinheiro Chagas e ele morava na residência da Opus Dei na Rua António Cândido. Vínhamos no autocarro, que passava na Avenida Luís Bívar, que era onde nos encontrávamos. Ele era dois anos mais novo que eu.

E lembra-se das conversas que tinham?

Eram de carácter geral. Já nessa altura eu não gostava muito de falar em política e ele também. Eram mais questões culturais, literárias, coisas aqui da faculdade… Mas não era a única pessoa que encontrava no autocarro. Nessa altura as pessoas não tinham automóvel. Se não me engano, quando entrei na faculdade só havia um ou dois alunos com automóvel. E até os professores vinham de autocarro.
O meu pai nem sequer tinha automóvel, nem nunca quis ter.

Foi um activista, na faculdade?

Não fui, de modo algum. Pertenci à JUC, a Juventude Universitária Católica, e à Associação Académica. Tinha funções normais, mas nunca fui um activista. Na Associação Académica, fui director de uma secção de estudos já quase no final do curso.

E na greve de 62?

Aí participei activamente. Estive em quase todos os momentos, desde o dia 24 de Março de 1962, quando começou, que era um sábado, até ao fim. Mas não fiz a greve de fome, como a maior parte dos alunos, em Maio de 62. Estive em tudo, em todas as reuniões e plenários, etc...

Como é que era o ambiente?

Havia uma imensa revolta contra o regime. Convém não esquecer que o regime tinha ficado muito abalado com as eleições de 1958, com o General Humberto Delgado. Até há II Guerra Mundial, apesar de ser um regime repressivo, foi encarado pelas pessoas como o necessário depois da desordem da Primeira República e Oliveira Salazar conseguiu fazer uma política relativamente moderada em confronto com os fascismos italiano e alemão.
Depois da II Guerra Mundial, o regime endureceu. As eleições do Humberto Delgado provocaram uma mudança completa no país e o regime teria caído se não tivesse sido a Guerra Colonial. Curiosamente, as guerras nas colónias salvaram o regime no início dos anos 60 e viriam a ser a causa da sua queda em 74.

Estava no Liceu Camões em 1958…

Ainda estava. Aliás, houve lá um grande comício do Gen. Humberto Delgado com grande repressão policial.

Quando estava na faculdade, considerava-se uma pessoa de esquerda ou de direita?

A minha posição política foi mais ou menos invariável ao longo dos tempos. Eu diria que mais de Centro Esquerda.

Apesar destes tempos conturbados, como conseguiu terminar a licenciatura nos cinco anos?

Eu era um bom aluno, mas não era um grande bom aluno. Fiz o curso com equilíbrio, estudando bem. Mas na altura não tinha pretensões em vir a ser professor.
Com todo o ambiente que se vivia no país, aquilo que eu queria ser era advogado. A imagem que eu tinha era a dos advogados da oposição, a defender os adversários do regime. Era a ideia que eu tinha, que era um pouco romântica e idealista.
Era um bom aluno, mas estava longe de ser o melhor aluno do meu curso. O melhor aluno do meu ano foi o Diogo Freitas do Amaral.

Como era a sua relação com o Freitas do Amaral?

Conhecemo-nos desde o primeiro ano e os laços de amizade ainda hoje continuam.

Ele alguma vez o convidou para o CDS?

Não convidou porque eu já tinha entrado para o PPD.

Como foi parar ao PPD?

Entrei logo no início. Fui um dos fundadores do PPD. Eu tinha sido um dos fundadores da SEDES, ainda antes do 25 de Abril. Foi um movimento importante na altura, dinamizando debates dentro daquilo que o regime de Marcelo Caetano permitia. Eu conheci os deputados da Ala Liberal porque, numa certa ocasião, quando eles estavam a preparar o projecto de revisão constitucional, pediram-me a mim e ao Dr. Riva, que éramos na altura docentes de Direito Constitucional, que fossemos ter uma conversa com eles para, num plano mais jurídico e mais técnico, darmos uma ajuda.
Nessa altura conheci o Sá Carneiro, o Magalhães Mota e o Pinto Balsemão e estabeleci uma relação com essas pessoas. Por outro lado, depois da Revolução, o Partido Socialista apareceu bastante à esquerda e o PPD apareceu como social-democrata.

“Marcelo Caetano era um grande professor, extremamente exigente, mas eu agradeço essa exigência porque foi isso que me fez dar o salto”

Regressando ao tempo de estudante, como se sentiu quando terminou o último exame?

Senti talvez uma certa tristeza, uma certa saudade de deixar de ser estudante. A minha maior alegria, e a grande transformação na minha vida ocorreu mais tarde, quando conclui o então sexto ano, que corresponde ao actual mestrado. Aí é que, sobre o impulso do Marcelo Caetano, que realmente foi o grande professor que me influenciou na faculdade, é que eu comecei a estudar mesmo a sério. O professor Marcelo Caetano foi o meu orientador. Ele era um grande professor, extremamente exigente, mas eu agradeço essa exigência porque foi isso que me fez dar o salto.

Como era a sua relação com ele?

De discípulo para mestre. Ele era uma pessoa já com alguma idade e eu era um jovem de 23 anos. Era uma grande figura da faculdade, e do regime. O sexto ano marcou-me a diferença porque foi aí que eu comecei a pensar em dedicar-me à investigação e ao ensino. A ideia de ser advogado foi sendo abandonada à medida que ia gostando mais de estudar e a oportunidade que eu tive de fazer uma tese sobre Direito Constitucional. E o dia em que terminei o sexto ano, em 1964, é que foi um dia de grande alegria porque tinha descoberto a minha vocação. Afinal não queria ser advogado da oposição mas sim docente e investigador.

Quem lhe deu a descobrir a sua vocação foi o Marcelo Caetano?

Pode dizer-se que sim. Foi de facto uma mudança muito grande.

E como viu a passagem dele para Chefe do Governo?

As pessoas tiveram uma grande esperança nessa altura. Porque pensávamos que não era possível continuar naquele regime, ele era tido como um liberal dentro do regime e, portanto, havia uma grande esperança. Eu devo dizer que dei-lhe o benefício da dúvida e, apesar das minhas relações pessoais ou, digamos, académicas, com ele, não me sentia identificado com o pensamento político dele. Ele subiu ao poder em 1968, havia eleições em 69 e este foi um período de expectativa. Cá para mim, eu pensava: se as eleições forem livres, muito bem, se não forem…infelizmente não foram. Ainda houve uma abertura, com a Ala Liberal, Sá Carneiro, Magalhães Mota, Pinto Balsemão, Mira Guerra, mas depois o regime foi-se fechando, e justamente na altura da revisão constitucional de 1971. Houve uma proposta de lei do Governo, um projecto da Ala Liberal e o projecto do pai do Freitas do Amaral. Mas o Governo, inexplicavelmente, não admitiu que os projectos dos deputados fossem discutidos na Assembleia. Este foi o momento de ruptura…

E foi uma desilusão para si?

A possibilidade que o regime tinha tido de uma reforma por dentro, de aproveitar a Ala Liberal que estava disponível para colaborar, e também o General Spínola que tinha projectos de reforma… Mas Marcelo Caetano, pelo contrário, endureceu perante a posição reaccionária do Almirante Tomás que travava tudo… Marcelo Caetano deixou de ser Presidente do Conselho quando, em 1972, aceitou que Tomás fosse reeleito. Nesta altura tinha-se a consciência que o regime não podia durar e que bastava ficar de braços cruzados à espera que o regime acabasse.

Quando deixou de dar o benefício a Marcelo Caetano?

Acabou em 1969, durou apenas um ano. Como as eleições não foram livres, deixou de se dar o benefício da dúvida. Eu separo o professor, o académico do político, mas eu acho que, em 69, ele perdeu uma grande oportunidade. Até porque, se tivesse havido eleições livres, ele teria ganho. Havia uma grande expectativa, uma grande simpatia por ele no país… Ele teria ganho as eleições. Eventualmente teriam entrado na Assembleia alguns deputados da oposição, o próprio Mário Soares estaria disposto a aceitar uma coisa do género. Mas não, ele endureceu o regime.

Teria havido uma transição para a democracia?

Absolutamente. Teríamos poupado as crises do processo revolucionário, que foi terrível. Teríamos poupado a destruição económica que se deu entre 1974 e 1975. E teríamos feito uma descolonização em muito melhores condições. O General Spínola teria conseguido uma paz negociada na Guiné-Bissau, e o mesmo em Angola e Moçambique. Seria uma solução muito melhor do que a que foi conseguida, que foi um desastre. Um desastre para Portugal, para Angola e para Timor.

Quando terminou o sexto ano, o que fez a seguir?

E 1965 fui com uma bolsa de estudo para Florença, onde estive a estudar Direito. Em Outubro desse ano entrei na Marinha para fazer o serviço militar. Estive de 9 de Outubro de 1965 a 1 de Junho de 1968 na Marinha, quase três anos da minha vida.

E como foi a sua vida militar?

Na fase de instrução, eu também não tenho jeito nenhum para treinos militares, pelo que não fui muito feliz. Mas depois fui colocado na Administração Naval aqui em Lisboa. Foram 25 meses que foram bastante agradáveis. Eram lá colocados os alunos com melhores notas. Conheci lá imensa gente, de diferentes formações. Amaro da Costa, por exemplo, foi um dos que passou por lá, os irmãos Pinto Barbosa… Um conjunto de pessoas com quem criei grandes laços de amizade.
Era um período, ainda antes da queda de Salazar, nós víamos que o regime estava a acabar e fazíamos projectos e sonhos em relação ao futuro. No Ministério da Marinha, numa coisa chamada Casa da Balança, tínhamos estas conversas no fim do almoço. Eram extremamente agradáveis.

Não tinham medo da PIDE?

Dizia-se na altura que em cada cinco portugueses havia um informador da PIDE. Mas ali não. Num café seria diferente. Dentro do ministério nós conversávamos livremente.

E quando saiu da Marinha?

Primeiro, fui assistente no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras. Estive lá um ano. E depois vim para assistente na Faculdade de Direito, em Outubro de 1969.

Nota: Esta primeira parte, de três, da entrevista (publicada parcialmente na edição de 13 de Agosto de 2008 da revista SÁBADO) foi realizada na Faculdade de Direito de Lisboa, no final de Abril de 2008. Aqui pode ler a versão integral de toda a conversa com o Professor Jorge Miranda, sem qualquer edição posterior.

Entrevista ao Professor Jorge Miranda - parte 2/3

"Nunca soube nem quis saber [porque fui saneado pelo MRPP], prefiro ignorar."

Lembra-se onde estava no 25 de Abril?

Lembro-me perfeitamente. Era uma quinta-feira, eu não tinha aulas de manhã, só tinha à tarde, e estava em casa a preparar a minha tese de doutoramento. A minha mulher tinha saído para o tarde e, ainda não eram 10h30, chegou a casa dizendo: o serviço está fechado, há uma revolução. Eu não sabia de nada. Só depois soube o que se passava. Nós morávamos na estrada da Luz e era muito perto da Pontinha, onde era o comando da revolução. E, portanto, tinham desligado os telefones. Ouvi a rádio e percebi logo o que era. Decidi logo: vou para a rua. Saí de carro até casa dos meus pais, que era na Rua Pinheiro Chagas, no último quarteirão antes de se chegar à Marquês da Fronteira e à Duque d’Ávila.
Portanto, muito perto do quartel-general e estava tudo ocupado pelos soldados. Estacionei e disse aos soldados que ia visitar os meus pais e deixaram-me ir. Saí com o meu pai, também com muita alegria, e fomos até à baixa, até ao Rossio. No Rossio vimos a passagem da coluna do Salgueiro Maia.

E foi até ao Largo do Carmo?

Não, não. A minha mulher estava grávida e pediu-me que não entrasse em aventuras, que podia haver qualquer coisa e passei o resto do dia entre minha casa e a casa dos meus pais.
Depois do 25 de Abril, eu fui membro fundador do PPD – Partido Popular Democrático – e, quando foi criada a comissão da lei eleitoral para a Assembleia Constituinte, fui designado como membro dessa assembleia. Foi uma comissão extremamente importante porque organizou as eleições, fez uma legislação completamente nova, desde o recenseamento até ao apuramento, garantindo a autenticidade do acto eleitoral, coisa que não existia em Portugal. A experiências histórica desde o século XIX era de fraudes eleitorais. Fizemos uma lei que, no essencial, é a base de toda a legislação que vem até agora. Sufrágio universal, maiores de 18 anos, de ambos os sexos, incluindo analfabetos, admitindo até, em certas condições, votos de emigrantes, tudo em termos rigorosos.
O recenseamento foi um grande êxito, mostrando que o povo português queria realmente as eleições. Depois houve os problemas do 11 de Março, a questão de saber se existia ou não eleições, a grande intervenção do general Costa Gomes, os partidos tiveram que aceitar a plataforma de acordo constitucional. Eles esperavam que, havendo eleições, se criasse uma legitimidade democrática que se sobrepusesse à legitimidade revolucionária. Os homens do Partido Comunista pensavam que podiam fazer em Portugal o mesmo que Lenine tinha feito na Rússia, que era dissolver a Assembleia Constituinte. Foi nessas condições que a Assembleia Constituinte abriu, numa grande expectativa, no dia 3 de Junho de 1975.

No dia 11 de Março refugiou-se na sede do PPD, onde reencontrou Mota Amaral...

Foi um dia de grande preocupação, porque não se sabia muito bem o que estava a acontecer. Havia de facto muita tensão, mas custava a crer que um homem experimentado como o general Spínola tivesse feito uma coisa tão estúpida e tão limitada, sem nenhum êxito, como aquilo. Receava-se depois que houvesse um contra-golpe. E realmente houve, mas foi de certa maneira contido porque os militares moderados tiveram um papel importante. O general Costa Gomes num papel arbitral. Os partidos aceitaram um momento de compromisso. Aceitaram as nacionalizações e o Conselho da Revolução, em troca da realização das eleições. Houve uma aposta. Havendo eleições, a legitimidade democrática impõem-se, portanto vale tudo desde que haja eleições. E realmente foi o que aconteceu.

Quando entrou na Assembleia Constituinte suspendeu as suas funções na faculdade?

Não, nessa altura eu estava saneado. O MRPP tomou o poder aqui na faculdade, em finais de 1974, e saneou todos os professores, primeiro, e metade dos assistentes, depois. Eu fui um dos saneados.

Qual foi o motivo que apontaram para isso?

Nunca soube nem quis saber, prefiro ignorar. Só posso dizer que esse dia, em que me disseram que tinha sido saneado, foi um dos mais tristes da minha vida.

Tão triste como o dia em que o seu irmão morreu?

Não tem comparação, mas também foi um dia muito triste. Mas eu já estava, e continuei, a dar aulas na Universidade Católica, mesmo durante o período da Assembleia Constituinte.
Depois, quando a situação se normalizou, já em princípios de 1977, voltei para a faculdade. Agora, quando metade dos assistentes foram saneados, os restantes, por solidariedade e por dignidade, também saíram. Durante um ano foi uma grande balbúrdia e a faculdade demorou muito tempo a recompor-se desse episódio.

E qual foi a posição dos alunos?

Por um lado, vivia-se um período muito conturbado no país, por outro, eles prometeram passagens administrativas, notas de apto e não apto, não-notas. E nas assembleias-gerais de alunos havia muitos constrangimentos porque não se podia reagir contra quem conduzia toda a situação, de maneira que os alunos, num primeiro ano, aceitaram. Depois, no fim de 1975, eles perceberam que eram os principais prejudicados e o MRPP foi afastado do poder.
Foi um ano de poder do MRPP. Aquilo foi quase a sede nacional do MRPP.

O que se lembra do primeiro dia da Assembleia Constituinte?

Começou à tarde, com uma sessão solene com o Presidente da República, o general Costa Gomes. No dia seguinte, os trabalhos começaram normalmente e a primeira coisa a fazer era o regimento da assembleia, onde eu intervim e apresentei uma proposta. Também aí houve um confronto entre os partidos democráticos e o PCP, porque a Assembleia Constituinte, segundo a Lei Constitucional 3/74, não tinha poder legislativo. Mas, a assembleia assumiu o poder de fiscalização dos actos do governo, embora de forma moderada. Através de um período antes da ordem do dia, em que eram discutidos os problemas do país, e através de requerimentos ao governo pedindo informações. Também houve uma grande clivagem com o PCP, que não queria isso, queria que a Assembleia Constituinte fosse só constituinte. Esse período antes da ordem do dia foi importantíssimo de intervenção da Constituinte no processo político que decorria fora. Depois, estive também na Comissão de Sistematização do texto constitucional e em mais duas: a quinta comissão que preparou a organização do poder político e, no fim, na comissão de redacção. Isto para além do debate no plenário.

Dentro das pessoas que participaram nas discussões, quem eram os seus principais opositores?

A Assembleia Constituinte tinha pessoas de grande qualidade em praticamente todos os partidos. No PPD havia Barbosa de Melo, Alfredo de Sousa, Mota Pinto, Pedro Roseta, Helena Roseta, Cunha Leal, Olívio da Silva França, havia um grupo de universitários importantes, mas também havia advogados e personalidades da antiga oposição ao regime. No Partido Socialista havia, por exemplo, Miller Guerra, Sophia de Mello Breyner, Romero Magalhães, José Luís Nunes, Sotto Mayor Cardia. No CDS havia Freitas do Amaral, Amaro da Costa. No PCP havia Vital Moreira, Manuel Gusmão. No MDP, José Tengarrinha.
Tudo isto para dizer que era uma assembleia com muitas personalidades importantes da vida cultural, intelectual, universitária e cívica do país.

Com todos estes nomes, como encara o facto de o apelidarem de “pai da constituição”?

É nitidamente um exagero. Naturalmente que uma constituição é uma obra colectiva. Não nego que tive um papel importante, modéstia à parte, mas muitas outras pessoas também tiveram. É nitidamente um populismo que não corresponde à verdade. Sempre tenho dito isso mesmo.
Por exemplo, Barbosa de Melo teve uma participação muito importante. José Luís Nunes, Vital Moreira...

Como é que era a sua relação com Vital Moreira, visto que ele era do PCP?

Eu não o conhecia antes da Constituinte, e tive relações boas com ele. Naturalmente que, no plenário, sobretudo na altura do “verão quente”, havia combates acesos. Mas, pelo contrário, na quinta comissão e, mais tarde, na comissão de redacção, havia muito mais cordialidade que no plenário. Mas criámos, posso dizer, laços de amizade.

Que ainda duram?

Naturalmente que sim. Até fiz parte do júri das provas de doutoramento dele. Tenho relações de amizade com ele.

Costumam fazer encontros de ex-deputados da Constituinte?

Muito episodicamente, só em comemorações dos 25, dos 20 ou dos 10 anos da Constituição. De resto não tem havido. Foram todos às suas vidas. As pessoas que estavam na Constituinte não eram políticos profissionais. Alguns ficaram, mas a grande maioria não. As pessoas iam para lá com sentido cívico num momento histórico determinado.
Eu, por exemplo, e Vital Moreira, Barbosa de Melo, Mota Pinto, nunca tencionamos fazer carreira política. Alguns estiveram mais tarde na política, Mota Pinto chegou a primeiro-ministro, mas em determinadas circunstâncias. Não era, propriamente, um político profissional. O carreirismo que há hoje não havia nessa altura. Foi um momento empolgante de construção da democracia.

Houve algum momento em que tenha pensado que não era possível fazer a Constituição?

Houve momentos particularmente difíceis. Por exemplo, em Julho de 1975, quando o MFA apresentou o chamado documento da “Aliança Povo/MFA”, que apontava para um poder popular. Mas a Assembleia Constituinte reagiu denunciando esse projecto.
Foi também um momento difícil quando o MFA criou o Directório, constituído por Costa Gomes, Vasco Gonçalves e Otelo Saraiva de Carvalho, e que não funcionou, felizmente.
Mas o momento mais difícil, embora não estivesse em causa, nessa altura, a Constituição, porque as coisas já estavam completamente ganhas, no sentido de se fazer uma Constituição e de existir uma democracia em Portugal, foi quando se deu o sequestro da Assembleia Constituinte de 12 para 13 de Novembro de 1975. Foi um momento muito difícil porque estivemos fechados na assembleia durante 24 horas, sem alimentação e não se sabia o que podia acontecer. Foi um momento muito dramático. Durante a tarde, eram dezenas de milhares de trabalhadores, não quero dizer que estavam manipulados. Em determinada altura, alguns chegaram a entrar no Palácio de S. Bento. Veio o primeiro-ministro Pinheiro de Azevedo, eu vi-o a poucos metros a dar aquele célebre grito.

Como se sentiu a ser considerado quase como um inimigo pela população?

Foi uma coisa triste, mas fazia parte da luta. Nós estivemos lá, acho que com dignidade. Quando saímos, fizeram-nos passar por uma humilhação. Porque, quando saímos depois das negociações... Houve uma fase, durante a noite, em que uma companhia da polícia, da GNR ou do exército teria afastado os manifestantes, porque estavam muito dispersos, mas não aconteceu. Na manhã seguinte, houve umas negociações, que não sei bem como foram, ao nível do Presidente da República e do Copcon, e depois saímos, ao princípio da tarde. Foi uma humilhação porque eles fizeram duas alas e fomos em fila indiana até meio da Rua de S. Bento.
Há também uma imagem, que passou na televisão, com os deputados do PCP com punho erguido a serem saudados. São factos históricos que convém não esquecer.

Mas estiveram as 24 horas sem alimentação?

Sim. Lembro-me que, quando cheguei a casa, por volta das 16 horas, comi um enorme prato de bacalhau, estava com uma fome...
Um pormenor interessante. No dia anterior, o plenário do dia 12 de Novembro era para discutir matérias financeiras e orçamentais e eu, que não sou um especialista nesses temas, almocei com o professor Sousa Franco num restaurante chamado Celta, na Gomes Freire, não sei se ainda existe. É um restaurante perto da sede do PPD. Ele sugeriu-me várias propostas. Depois fui de autocarro para S. Bento e, quando este chegou ao Marquês de Pombal, a manifestação estava a dirigir-se para a assembleia. E o autocarro foi atrás da manifestação. Quando cheguei a S. Bento, entrei no palácio pedindo licença aos manifestantes para me deixarem passar. E depois já não me deixaram sair.
A sessão correu normalmente, as minhas propostas até foram aprovadas. Ás 20 horas, quando acabou a sessão, reparámos que já não podíamos sair.

Como foi o seu percurso dentro do PSD até à saída?

Essa altura é uma longa história. Porque Sá Carneiro adoeceu em Fevereiro de 1975, foi para Londres tratar-se, e, em Maio, veio a Lisboa dizer que não estava em condições físicas de continuar a exercer o seu cargo. Fui uma das poucas pessoas que foi esperá-lo. Então, o Conselho Nacional do PPD teve que escolher um secretário-geral interino e, depois de várias discussões, foi escolhido Emídio Guerreiro, que era um homem da luta contra a ditadura, um homem bastante à esquerda, mas um homem extremamente corajoso, e foi extremamente corajoso em todo esse período do “verão quente”. Teve um papel muitíssimo importante a que deve ser prestada justiça. Em Setembro, já Carneiro recuperou as forças, voltou e, naturalmente, retomou as suas funções no partido. Mas, aí, começou a abrir-se uma clivagem entre Sá Carneiro, que vinha com uma posição bastante radical em relação aos militares e, até, de contestação de muitas das soluções que o PPD tinha assumido durante esse período, e outra linha liderada por Emídio Guerreiro, com várias personalidades importantes, como Sá Borges, Vasco Graça Moura, Mota Pinto, José Augusto Seabra. Portanto, criou-se um clima de crispação que explodiu no congresso de Aveiro em 4 e 5 de Dezembro de 1975. E foi nessa altura que houve a primeira dissidência do partido, mas eu não saí. Eu fiquei bastante triste com o modo como aquilo tinha corrido, mas não saí, apesar de já não me sentir muito feliz. Achei que havia ali uma tentação populista e autoritária dentro do partido, de Sá Carneiro e dos seus apoiantes. Ao contrário do primeiro congresso que tinha corrido em clima de grande democraticidade, este acabou com posições muito extremistas, muito radicais. Eu fiquei, portanto, bastante triste mas achei que não havia razão para sair.

Quando achou que havia?

Ainda fui eleito deputado à Assembleia da República, mas durante muito pouco tempo, porque depois fui para a Comissão Constitucional. A partir de certa altura, em 1977, começou uma crise dentro do partido. Novamente com duas facções, Sá Carneiro de um lado e Sousa Franco do outro, de certa maneira. Ataques sucessivos de Sá Carneiro ao Presidente da República Ramalho Eanes, que eu não compreendia, com quem eu tinha relações de amizade e que considerava uma pessoa absolutamente séria e impoluta. Não tinha qualquer tentação ou tendência para fazer qualquer ditadura, de modo algum. Ao contrário do que Sá Carneiro chegou a dizer, falando de uma espécie de golpe peruano. A situação foi-se degradando... Felizmente eu estava fora. Como eu estava na Comissão Constitucional não tinha qualquer actividade política. Foi só em 1979, quando se deu a cisão dos chamados “inadiáveis”, houve um documento aprovado ainda em 1978 sobre “Opções inadiáveis”. Em 1979, quando houve orientações contrastantes entre a direcção do partido e o grupo parlamentar, presidido por Magalhães Mota, a respeito da proposta de orçamento apresentada pelo governo de Mota Pinto. Sá Carneiro estava contra esse governo e queria que o grupo parlamentar votasse a favor. O grupo parlamentar dividiu-se, houve uma cisão, muitas pessoas saíram e foi nessa altura que eu também saí do partido. Depois, criou-se a ASDI, em que não fui fundador, aderi, simplesmente. Mas nunca tive grandes ilusões em relação às possibilidades da ASDI. Mas acho que, mesmo assim, teve um papel importante numa certa fase. Em 1980, na campanha eleitoral de recandidatura do general Eanes, em que apoiou. Depois, houve a Frente Republicana Socialista, ligando o Partido Socialista, a ASDI e a UEDS (União da Esquerda para a Democracia Socialista). E houve um papel importante da ASDI na primeira revisão constitucional. Apesar de só ter quatro deputados, eu acho que teve um papel significativo nesse momento. O primeiro projecto de revisão constitucional foi, aliás, o da ASDI.

E como é que ficaram as relações mais pessoais com Sá Carneiro, por exemplo?

No congresso de Aveiro fiquei desiludido com ele. Eu tinha uma enorme admiração por Sá Carneiro desde os tempos da Ala Liberal, da oposição na antiga Assembleia Nacional contra o anterior regime, a PIDE, etc. Não esperava aquilo que aconteceu em Aveiro, que foi ele, a determinada altura, chegar à boca da cena do Teatro Aveirense e dizer que, se não fosse aprovado o projecto de estatutos dele, que se demitia. Nessa altura as pessoas apoiaram-no freneticamente e acabou-se a discussão, o que eu não gostei. Mas depois mantive boas relações com ele e lamentei profundamente a morte dele.

Nessa altura mudou de opinião em relação a ele?

Não fui só eu. Ele próprio reconheceu mais tarde, em Janeiro de 1976, num Conselho Nacional, que tinha ido além do que deveria, e as coisas ficaram apaziguadas.
A partir de final 1977, Sá Carneiro entrou em ruptura com Ramalho Eanes, algo que eu nunca percebi muito bem porquê, desiludido talvez. A partir daí, as coisas voltaram a agudizar-se dentro do partido, porque havia muitas pessoas que eram favoráveis ao Presidente da República. Historicamente, Ramalho Eanes teve um papel fundamental na consolidação da democracia. Foi ele que levou os militares para dentro dos quartéis. Pode dizer-se que se impôs ao Conselho da Revolução. Eu achei que era injusto o tipo de ataques feitos por Sá Carneiro.
Depois tivemos a máxima expressão na campanha eleitoral de 1980, que foi uma campanha duríssima.

Quando decidiu sair do PPD, falou com ele?

Escrevi-lhe uma carta.

Ele respondeu?

Não. Mas essa decisão custou-me muito. Foi uma grande decepção porque tinha apostado muito no PPD. Entre 1974 e 1976, posso dizer que dediquei quase dois anos da minha vida ao PPD. Quando era PPD, era social-democrata, quando passou chamar-se PSD, deixou de ser social-democrata para ser liberal-conservador.

Quando é que abandonou de vez os partidos?

Depois ainda fui deputado da ASDI, na revisão constitucional. Foi aprovada em Agosto de 1982, estive até princípios de Novembro e depois acabou. Até mesmo quando o general Eanes criou o PRD, não entrei. As minhas actividades políticas terminaram em Novembro de 1982.

Quando é que tomou essa decisão?

Era uma decisão que eu tinha tomado desde o princípio. A minha intervenção política era muito pontual, como muitas das pessoas que estiveram na Constituinte. Não fomos para lá para fazer carreira política. Aquilo que eu sempre quis fazer era uma carreira na universidade. Queria fazer o meu doutoramento, que esteve interrompido por causa de todo esse período. Retomar a minha carreira académica, era isso que me interessava.

Sente-se desiludido com a política?

Não, nem tenho essa ideia pessimista e derrotista que há no nosso país. Basta compararmos Portugal com Itália, por exemplo, com a recente vitória de Berlusconi. Acho que é a sociedade que exagera. Apesar de tudo, acho que nós conseguimos em Portugal, nestes 32 anos, fazer eleições com liberdade, com alternância, coisa que nunca tinha havido, nem na monarquia constitucional, nem na primeira república e muito menos no salazarismo. Temos um sistema de governo que funciona equilibradamente, com Presidente da República, o Parlamento. Temos as autonomias regionais e o poder local. Temos instituições fortes, como o Tribunal Constitucional e o Provedor de Justiça.
Os partidos têm muitos defeitos, é verdade, e hoje tornaram-se em algo dos tais carreiristas e políticos profissionais, democraticidade interna duvidosa, os dirigentes partidários impõem-se aos grupos parlamentares. Enquanto na Assembleia Constituinte eram os grupos parlamentares que tomavam as decisões a respeito desta ou daquela matéria. Agora não, são os dirigentes partidários, de fora, que impõem a sua vontade aos grupos parlamentares. Portanto, nesse aspecto, tenho tristeza. O Parlamento não é aquilo que eu gostaria que fosse. Mas o sistema democrático português não é pior do que o de outros países europeus.

Já está há quase 40 anos nesta faculdade, o que o fez regressar sempre?

Eu sempre estive interessado no direito constitucional, desde muito jovem. Depois, quando fiz o meu sexto ano, descobri que a minha vocação não era ser advogado, mas sim fazer carreira universitária. Nesse ramo, sinto-me o mais possível realizado.

Mas saiu em determinados momentos, como quando entrou na Constituinte?

Sim, mas para mim foi muito proveitoso. Para um constitucionalista, participar num plenário constituinte é uma oportunidade única, que eu não podia perder. Poucos constitucionalistas no mundo tiveram essa oportunidade.

Como foi convidado para a Constituinte?

Foi naturalmente. Modéstia à parte, eu tive um papel relevante nos primeiros tempos do PPD. Fui eleito, no primeiro congresso, presidente do Conselho de Disciplina (actual Conselho de Jurisdição). Naturalmente, sendo presidente de um dos órgãos do partido, seria candidato às eleições. Ainda para mais, sendo constitucionalista, foi perfeitamente natural e fui candidato por Braga, que é o meu distrito. Aliás, a primeira campanha eleitoral em Braga foi maravilhosa, porque houve grande dedicação. Ainda chegou a haver boicotes a diversas sessões. Houve pessoas que anteciparam as suas férias para poderem trabalhar na campanha eleitoral. Luís Marques Mendes, que era um jovem na altura, andava a colar cartazes nas ruas. Os candidatos de Braga eram muito bons, ainda conseguimos ter Eurico de Melo, Carlos Bacelar, Fernando Roriz. Foi uma campanha muito empolgante. Eu estava bastante deprimido depois do 11 de Março, porque havia o receio de que fosse criada uma ditadura militar do tipo comunista, mas a campanha mostrou que isso não era possível, que o país não aceitaria. Isso era uma coisa isolada em Lisboa, o “Portugal profundo” não aceitaria isso.
Eu realizei-me muito na Assembleia Constituinte com sentido cívico e enquanto constitucionalista. Naturalmente que a minha grande profissão é o ensino universitário. A coisa de que eu mais gosto é de dar aulas.

Foi presidente do Conselho Directivo (CD) durante dez anos...

Sim, num momento importante, de 1991 a 2001. Importante porque foi nesse período que também fiz uma realização importante que foi o alargamento e renovação deste edifício. Transformou completamente a faculdade, foi um esforço financeiro muito grande, com muito sacrifício. Depois disso apanhei arritmia. Foi um trabalho enorme. Eu tinha uma boa equipa comigo. Das coisas que me deixou mais feliz na minha vida foi ter conseguido fazer estas obras.

Este foi um edifício que inaugurou, enquanto estudante, e que depois ampliou enquanto professor.

Sim, fui da primeira turma que começou e terminou aqui a licenciatura. Mas isso é um aspecto episódico. Fui presidente do CD, duas vezes presidente do Conselho Científico. Mas isso são aspectos laterais, o fundamental é o estudo e o ensino.

Quais foram as principais dificuldades que sentiu na altura em que foi presidente do CD?

Não tive problemas nem com professores, nem com alunos. Houve um ou outro momento de crise. Obviamente que, durante dez anos, não foi tudo um mar de rosas. Mas penso que consegui, com as pessoas que colaboraram comigo, singrar razoavelmente bem, tentando serenar e resolver os problemas que iam surgindo. Houve momentos aborrecidos e desagradáveis, mas não a ponto de inquinar todo esse tempo. Os aspectos mais aborrecidos eram precisamente a negociação com o ministério da Educação para obter verbas para as obras. Mas ainda falta construir mais um bloco do edifício, para os institutos e os mestrados.

Quantos ministros da Educação é que apanhou?

Foram vários, mas as coisas até correram bem. Devo dizer que uma ministra que mais apoio deu às obras foi Manuela Ferreira Leite. Só começámos as obras em 1997, que acabaram em 2000. Mas antes disso houve toda uma série de negociações e de concursos. Tivemos também a satisfação de não ter havido derrapagem financeira e de termos conseguido poupar 700 mil contos de propinas e com isso fazer parte das obras. O PRODEP deu cerca de 1.300 mil contos e o resto foram as propinas. Acho que a faculdade está completamente renovada. Um dos dias mais felizes da minha vida foi o dia da inauguração, presidida pelo Presidente da República Jorge Sampaio.

Como é a sua relação com os alunos?

Eu acho, modéstia à parte, que é bastante boa. Evidentemente que temos alunos de vários tipos. Tenho alunos do primeiro ano, do quarto ano, de mestrado e de doutoramento. Portanto, são alunos de características bastante diferentes.

Eles vão ao seu gabinete?

Sim, eu recebo-os. Normalmente, os alunos do primeiro ano não me procuram, para além de dúvidas no fim da aula. São bastante tímidos. Os alunos de doutoramento e de mestrado, em que a maioria não são portugueses, são brasileiros. Eles procuram-me constantemente. Há outro aspecto da minha vida que é o contacto com o Brasil. Eu sinto-me particularmente feliz por ter alguma projecção no Brasil e ter laços de cordialidade com os grandes constitucionalistas brasileiros, participar em congressos.

Os alunos procuram-no por problemas pessoais?

Não muito frequentemente, mas uma vez ou outra sim.

Para além de Portugal, tem sido convidado para ajudar a redigir as constituições de diversos países?

Sim, fiz o ante-projecto de São Tomé e Príncipe e de Timor. Em relação a Moçambique dei um parecer, não em relação à constituição actual, mas à constituição de 1991.

Em relação à Constituição de Timor-Leste, como é que surgiu o convite?

Aí não foi um convite, foi um oferecimento meu.
Em relação a São Tomé foi um convite do presidente Manuel Pinto da Costa. Eu fui a São Tomé duas vezes e foi uma experiência muito agradável.
No caso de Timor, foi uma oferta minha.

O que o levou a oferecer-se?

Eu, como todos os portugueses, julgo eu, sentimos muito o drama de Timor. Nós temos um acordo de cooperação com a faculdade de Direito da Universidade de Timor. Ainda há pouco tempo dei uma aula, por videoconferência, para Timor. Infelizmente, fui convidado para ir à cerimónia de independência mas não pude ir porque foi em 2002, quando eu tinha a minha arritmia. É um sentimento de solidariedade em relação a Timor que julgo que todos os portugueses têm.

Mas foi lá depois, quando fez a Constituição?

Não pude ir. Gostava imenso de ir, mas é uma viagem muito longa, complicada.

Mas a quem é que se ofereceu?

Havia em Portugal uma comissão presidida pelo padre Vitor Milícias, para a cooperação com Timor. Cheguei a preparar a minha ida a Timor mas depois não poder ir. Assim, falei com o padre Vitor Milícias para me oferecer.

Como é que ele reagiu à sua oferta?

Muito bem.

Lembra-se da conversa?

Não, mas isso é um pormenor que não interessa.

Como é que se sente por ser tão solicitado?

Eu conheço todos os países africanos de língua portuguesa, indo a todos. Ainda há pouco tempo estive em Cabo Verde e em Moçambique. Sinto-me muito bem em todos eles. Sinto-me satisfeito enquanto português. É um dos êxitos da política portuguesa dos últimos 30 anos. Depois de guerras terríveis e de uma descolonização que não correu bem, nós, Portugal, temos com os países africanos de língua portuguesa relações muito melhores do que aquelas que têm a França, a Inglaterra ou a Bélgica com as ex-colónias deles. Eles acolhem muito bem, mas onde eu me sinto melhor é no Brasil, confesso. Até porque tenho laços familiares com o Brasil, a minha avó paterna era brasileira.

Com que frequência é que lá vai?

Normalmente, duas vezes por ano. Não vou mais porque as viagens são longas. Nunca fui em turismo, sempre em trabalho. Já fui mais de 30 vezes ao Brasil. Aproveito é sempre um dia ou outro para qualquer visita turística. Ainda agora estive em Fortaleza e foram só os dias do congresso.

Tira todos os dias de férias a que tem direito?

Para mim, é fundamental as férias em Moledo do Minho, na praia.

Nunca tirou férias noutro sítio?

Não, nunca, só em Moledo. Férias para mim são em Moledo. Só lá é que sinto em férias. Não quer dizer que não tenha feito viagens de férias, mas não substituem o tempo em Moledo. É absolutamente essencial. Aliás, em tempo de férias há duas fases: uma de completo repouso, e uma segunda em que começo a fazer leituras, a actualizar-me em livros científicos, que me interessam. Mas é completamente estar lá ou estar aqui em Lisboa.

Diz que é um minhoto emigrado em Lisboa. É lá que se sente em casa?

É lá que me sinto bem, realmente.

Que livros costuma ler? Só científico, de Direito?

Não, no período de descanso completo leio obras literárias.

Qual o livro que mais o marcou?

Vários. Mas talvez a obra literária que eu tenha gostado mais na minha vida tenha sido “A Guerra e Paz” de Tolstoi. Mas também há outros, como os “Contos” de Eça de Queirós, também acho maravilhosos, a “Sagarana”, de João Magalhães Rosa, um escritor brasileiro. Autores recentes, também. Durante o ano, não tenho muito tempo para ler obras literárias, porque eu gosto de as ler relaxadamente. Mas sempre vou lendo alguma coisa. Durante as férias tento recuperar.

Em todo o seu percurso, existe algum erro que tenha cometido e que gostasse de corrigir?

Há sempre erros, que todos cometemos. Agora, um erro fundamental, acho que não cometi. Sinto-me perfeitamente realizado na minha carreira, na família.

Quantos filhos tem?

Quatro. Um nasceu em 1972, outro em 1974 e dois gémeos nascidos em 1978. foi o período a seguir ao casamento, que foi em 1971. devo muito à minha mulher, nesse período em que estava mais envolvido na actividade política e, depois, na preparação do doutoramento. Ela também é jurista.

O facto dela ser de Direito deve ter ajudado?

Não, evitamos ter conversas de Direito. Uma vez ou outra poderá haver alguma conversa.

Os seus filhos seguiram as pisadas dos pais?

Os meus dois filhos mais velhos também tiraram Direito, os outros dois não. O meu filho mais velho também casou com uma jurista, que foi colega de curso dele.

Nenhum deles seguiu os passos do seu pai ou do seu irmão?

Tive pena de nenhum deles ter sido médico. Quando eu nasci, a minha família tinha imensos médicos. Agora quase não tem nenhum.

O que lhe falta fazer?

É difícil dizer. Ainda estou com o meu Manual de Direito Constitucional, que também é uma realização importante da minha vida, os sete volumes do manual, a actualização do manual. Aqui, o trabalho científico universitário nunca pára. Espero continuar até morrer.

Alguma vez pensou em escrever as suas memórias?

Tenho pensado nisso, não excluo essa hipótese. Se tiver tempo. Até porque conheci de perto Marcelo Caetano, Sá Carneiro, Ramalho Eanes, personagens importantes da história portuguesa. Estive na constituinte, no período revolucionário. E, portanto, acho que há coisas que devem ser contadas.

A memória só permanece se existirem registos...

Exacto, e acho que em Portugal há falta de memórias. Mas é uma coisa em que não penso por enquanto.

Nota: Esta segunda parte da entrevista (publicada parcialmente na edição de 13 de Agosto de 2008 da revista SÁBADO) foi realizada na Faculdade de Direito de Lisboa, no final de Abril de 2008.

Entrevista ao Professor Jorge Miranda - parte 3/3

"Se todos os Homens fossem homossexuais a humanidade acabava"

Quantos livros tem?
Nunca contei, mas são uns milhares. Estão dispersos entre a casa de Moledo (onde tenho praticamente só romances), as casas de Lisboa e de Braga e os gabinetes na Faculdade de Direito de Lisboa e da Universidade Católica. Às vezes perco-me.

Quantos fatos tem? E gravatas?
Poucos, só mesmo o indispensável. Tenho três para cada estação (Verão e Inverno) e um de meia estação. Quanto às gravatas não faço ideia, nunca as contei.

Dá importância ao que veste? Quem é que lhe escolhe a sua roupa?
Não dou muita importância, mas gosto de estar bem apresentado. Sou conservador no que visto. A minha mulher é a voz crítica.

Alguma vez tocou num cigarro?
Não. Aliás, sou um fundamentalista anti-tabagista. Uma vez, numa prova oral na faculdade, os alunos, que sabiam da minha posição, resolveram colocar um cinzeiro na minha secretária. Mal entrei na sala atirei-o pela janela.

Bebe?
Só vinho tinto às refeições, e pouco.

Tem ou teve vícios?
Só quem me rodeia é que o pode dizer.

Se um filho lhe dissesse que é gay ficaria chocado?
Tentaria compreender a questão e, naturalmente, respeitar a sua decisão. Consideraria que era algo natural e que não decorria de influências externas.

A questão dos casamentos homossexuais pontificou na campanha para o PSD. Qual a sua posição?
Sou absolutamente contra mas sou um acérrimo defensor da igualdade de direitos e de oportunidades. O casamento não tem que ser necessariamente para procriação, como disse a Drª. Manuela Ferreira Leite, mas é, por princípio, inclusive constitucional (conforme artigos 36º, 67º e 68º da Constituição da República Portuguesa, bem como no artigo 16º da Declaração Universal dos Direitos do Homem), uma união entre pessoas de sexo oposto com a potencialidade da procriação. Friso a “potencialidade”, porque não tem que ser obrigatoriamente.
Defendo também que os direitos afectos às uniões de facto, que está acessível aos casais homossexuais desde 2001, devem ser alargados, incluindo, por exemplo, os direitos de sucessão.
Agora, acho que não se deve chamar casamento ao que não é casamento. Por outro lado, se todos os Homens fossem homossexuais a humanidade acabava.
Em resumo, aquilo que defendo é:
- Não deve haver descriminação
- Admito a extensão do domínio da união de facto, acessível aos homossexuais
- Não admito o casamento entre homossexuais

O que acha da liberalização da venda de drogas?
Esse não é um tema sobre o qual tenha reflectido muito, mas sou contra a liberalização absoluta. Em relação a alguns tipos de drogas penso que seria possível. Considero que é fundamental acabar com o poder e a especulação dos traficantes.

O que acha mais perigoso, álcool em excesso ou drogas leves?
Obviamente, o álcool em excesso.

Considera-se um homem rico?
Sou um homem remediado. Vivo exclusivamente do meu trabalho. Para sobreviver tenho que dar aulas em duas universidades. O ordenado de professor catedrático na faculdade de Direito não é suficiente.

Quanto é que cobra por cada parecer?
Prefiro não dizer.

Quantos faz em média por ano?
Não muitos, nunca excede uma média de meia-dúzia por ano.

Costuma ser solicitado pelos grupos parlamentares?
Ocasionalmente, mas só pelos partidos do centro (PS e PSD). O BE, o PCP e o CDS nunca solicitam a minha opinião.

Sabe quanto dinheiro tem no banco?
Não faço ideia.

Em que é que investe o dinheiro?
Esta casa [da praia de Moledo] custou todas as minhas poupanças até 1986, quando foi construída. Era um grande sonho desde a minha infância. Quando vinha para cá com os meus pais ficávamos numa casa alugada e sempre quis ter uma casa para vir para cá sempre que quisesse. Nos anos 1980 lá consegui arranjar o terreno e um amigo meu que é arquitecto desenhou-me esta casa, que ficou concluída em 1986.
Gasto muito dinheiro em livros e gosto muito de viajar. As viagens aos congressos no Brasil são pagas pela organização, mas na Europa são mais controlados e normalmente tenho que pagar as viagens do meu bolso. São normalmente viagens para Itália, França, Suiça e Bélgica.
Em férias, adoro ir até Itália com a minha mulher. Tentamos ir lá uma vez por ano mas nem sempre é possível.

Tem quantas casas? E carros?
Tenho esta [de Moledo], uma em Braga, de família, e a de Benfica, em Lisboa.
Em relação a carros tenho apenas um Volkswaggen Passat com 11 anos e muitos quilómetros.

É uma pessoa modesta?
Prefiro um bom livro a um bom fato. Aliás, não tenho fato caros. Vou comprar os meus fatos quase todos à Alfaiataria Nunes Correia, na Rua Augusta.

Nota: Esta terceira e última parte da entrevista (publicada parcialmente na edição de 13 de Agosto de 2008 da revista SÁBADO) foi realizada na casa do constitucionalista em Moledo do Minho, a 9 de Agosto de 2008).

quinta-feira, junho 05, 2008

No ensino privado já são avaliados

EDUCAÇÃO. ESCOLAS TÊM MODELO PRÓPRIO DE ANÁLISE

No ensino privado já são avaliados

Os professores dos estabelecimentos públicos foram para a rua agitar cartazes e gritar palavras de ordem contra a ministra da Educação. Nas escolas particulares, a avaliação e normal

LUÍS NEVES FRANCO
Fonte: SÁBADO, 27-03-2008

Todos os dias, às 8h em ponto, a professora Isabel Saldanha da Gama e o marido, Luís João Martins, abrem os portões da Escola de Pedro Nunes, em Lisboa. Passaram a noite lá dentro, a sua casa é na própria escola, que compraram em 1998 e que dirigem desde então, num ambiente quase familiar.

Os 18 professores que lá trabalham conhecem-se bem e a direcção sabe o que cada um faz dentro da sua sala de aula. "Aqui, a avaliação do desempenho dos docentes sempre foi feita. A escola é pequena, temos apenas 154 alunos, e isso facilita as coisas", diz a proprietária, que é também professora e directora pedagógica.

Quando, em Setembro de 2005, a Associação de Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo (AEEP), a Federação Nacional de Educação (FNE)e o Sindicato Nacional dos Profissionais da Educação (SINAP) chegaram a acordo sobre o Contrato Colectivo de Trabalho (CCT), que previa um processo de avaliação de desempenho, a direcção resolveu perder seis meses em reuniões com os professores.

"Era necessário explicar o que era, como iria funcionar e para que servia", lembra Isabel Saldanha da Gama.

A Escola de Pedro Nunes (e não o conhecido liceu público Pedro Nunes) é um pequeno externato, mas o que acontece lá é o mesmo que sucede em muitas das maiores escolas privadas - os professores convivem pacificamente com a avaliação contínua que lhes é feita.

No sector privado, os docentes são obrigados a preencher uma ficha de auto-avaliação (ver infografia) em que analisam as suas competências a vários níveis, nomeadamente na capacidade pedagógica, no espírito de liderança ou nas qualidades ao nível da gestão de equipas.

Em algumas escolas, a avaliação é depois complementada por uma reunião trimestral, em que são discutidas as dificuldades e as necessidades de cada professor. Mas o esquema é muito flexível: com mais de 1500 alunos e 150 professores, a aferição da auto-avaliação no Colégio de São João de Brito - onde, entre outros, estudou o antigo líder do CDS Paulo Portas - é feita pela direcção de ciclo e não pela direcção da escola, que só ratifica a avaliação final.

PARA O DIRECTOR EXECUTIVO da AEEP, Rodrigo Queiroz e Melo, este modelo, que foi negociado e aceite por todos os sindicatos do sector, é aberto. "Cada escola decide como e quando o aplicar", podendo fazer ajustes de acordo com o seu projecto educativo. Para além disso, foi criada uma Comissão de Acompanhamento, com elementos da AEEP e dos sindicatos, que procura resolver polémicas e evitar o recurso aos tribunais do trabalho.

A Fenprof propôs a criação de uma comissão deste tipo à ministra da Educação, mas Maria de Lurdes Rodrigues não aceitou. Já tinha o seu modelo desenhado.

Os contornos da nova lei apresentam algumas diferenças em relação ao que acontece no sector privado (ver infografia). Apesar de também preverá existência de mecanismos de auto-avaliação, a solução da ministra, que provocou a fúria dos professores, vai muito mais longe.

Além de se auto-analisarem, os docentes serão avaliados por um coordenador do departamento a que pertencem. Este observará um mínimo de três aulas. O processo completa-se com a realização de uma entrevista com os avaliadores, a opinião pessoal do director da escola e, por fim, a realização de uma reunião dos avaliadores, que têm a responsabilidade de definir a nota final.

No sector privado, é o proprietário do estabelecimento que tem a responsabilidade de legitimar o processo de auto-avaliação.

Só depois de atribuída a classificação o docente saberá se ascende na carreira, o que só acontece se tiver sido classificado pelo menos com um "Bom" (há ainda Insuficiente, Regular, Muito Bom e Excelente). Nos privados, o modelo de progressão é mais elástico. Para subir na carreira, o professor tem apenas de obter um "Suficiente" nos primeiros três anos de actividade, uma maioria de "Bons" num período de três a dez anos e, a partir dos dez anos, tem necessariamente de ser sempre classificado com um "Bom" para avançar.

A movida do chocolate

A movida do chocolate

Telmo Faria tem o mercado medieval, a Vila Natal e agora quer uma eco-vila. "Ideias parvas" para a oposição

Data: 13 de Março de 2008
Fonte: Sábado
Autor: Luís Neves Franco

Na campanha autárquica de 2001, Telmo Faria foi abordado por Sandy Lasberg, um americano de 80 anos residente em Óbidos. Lasberg queria apresentar uma ideia algo estranha: fazer um festival de chocolate na vila. Telmo Faria gostou da ideia - "o chocolate é universal" - integrou-a no programa eleitoral e concretizou-a um ano depois. Na campanha, a oposição andou a dizer que ele tinha "ideias parvas".

Os 10 mil habitantes não concordaram e elegeram-no, aos 29 anos, presidente da Câmara. No 1° Festival Internacional do Chocolate, durante cinco dias de 2002, a vila recebeu quase 200 mil pessoas. Telmo nunca mais parou de ter "ideias parvas" e gosta de falar em "optimismo radical". Há duas semanas, apresentou o projecto OB2, que pretende tornar Óbidos a primeira "eco- vila" portuguesa, com recurso a construção ecológica (a Câmara dará consultoria até aos privados) e recorrendo a energias alternativas. No orçamento municipal já está inscrita como receita a venda de créditos de carbono.

Esta longe de ser a sua ideia mais radical. A seguir ao chocolate, descobriu no Natal um "nicho de mercado" ainda "não aproveitado" por ninguém. "Estava remetido a uma faceta familiar, sem vivência em espaços públicos, excluindo os centros comerciais", aponta. O autarca quis que "Óbidos Vila Natal" tivesse "uma dimensão nacional". Tentou ter o apoio do BES, mas os responsáveis do banco "acharam interessante mas não decidiam. O autarca disse-lhes que "ou apoiavam ou fazíamos sem eles" - e o BES lá se decidiu. Em cada edição (2006 e 2007), quase 200 mil pessoas encheram a Vila Natal. O Mercado Medieval, que já existia antes de chegar à Câmara, passou de "umas feirinhas" - a descrição é da oposição - para 100 mil visitantes anuais.

"ESTAMOS A DAR o exemplo de como se pode animar os centros históricos de forma inovadora", diz o presidente. Mas há críticas. A socialista Helena Correia, ex-vice-presidente da Câmara, acusa-o de "descaracterizar o centro histórico" e diz que "Óbidos está a deixar de ser conhecido pelo que é". Telmo Faria responde que "é, seguramente, uma opinião muito isolada", que "Óbidos é um património vivo desde que se começou a dinamizar o seu centro histórico" e que "quer ser um laboratório de políticas públicas".
Tem com que se entreter. Desde o início do ano contratou a socialite Vicky Fernandes (levada por Carmona Rodrigues para a Câmara de Lisboa e que António Costa dispensou) para conseguir mais patrocínios e animação para os eventos. Onde é que quer chegar com tantas ideias? É verdade que pensa numa candidatura a Leiria em 2009? A resposta é curta: "Estamos motivados para colocar Óbidos acima da capital de distrito em termos de receitas (50 milhões de euros)".

“Não tenho nada a esconder no BPN”

Banco esclarece situação interna 2008-01-28 00:05

“Não tenho nada a esconder no BPN”

Numa altura em que o banco de Portugal está atento às ‘off-shore’, o presidente do Banco desdramatiza as dúvidas lançadas sobre o BPN. “Não tenho razões para desconfiar da minha equipa”, diz.

Por Pedro Marques Pereira com Luís Neves Franco

“Não tenho nada a esconder”. Este é a mensagem de José Oliveira e Costa que ontem recebeu o Diário Económico na sede do BPN, o banco que dirige e que, na edição de sábado do Expresso, foi envolvido em suspeitas de operações pouco transparentes feitas através de empresas ‘off-shore’.

Ao contrário do que o Banco de Portugal tem dito que sucedeu no BCP, “no BPN não há nenhuma situação escondida”, afirma Oliveira e Costa. E acrescenta: “existem regras muito rigorosas sobre essas matérias, espero que as pessoas responsáveis por essas áreas as estejam a cumprir. Não tenho razões para desconfiar da minha equipa”.

Em traje de fim de semana, vestido com um ‘pullover’ Lacoste com as cores do banco – em tons ‘bordeaux’ – Oliveira e Costa diz-se surpreendido com as suspeitas lançadas sobre o banco, uma vez que este tem merecido toda a atenção do Banco de Portugal, que o acompanha de perto na sua actividade normal – ou que, pelo menos até agora, Oliveira e Costa considerava normal – de supervisão. “A intervenção do Banco de Portugal tem sempre sido muito activa”, afirma. “É sempre mais fácil ser profundo nesse acompanhamento com um banco pequeno do que com um grande e no nosso caso o acompanhamento tem sido sempre muito profundo”.

Em relação à actividade de empresas com sede em paraísos fiscais, Oliveira e Costa afirma que sucedem a dois níveis. Ao nível da estrutura accionista, alguns investidores detêm as suas posições através deste tipo de veículos, o que considera ser “normal”, garantindo conhecer a quem pertencem todas estas empresas. “De qualquer forma, embora não possa precisar com rigor, a posição que detêm no banco, no seu conjunto, é materialmente irrelevante”, diz.

Mais abaixo, na actividade de gestão de activos, o banco trabalha igualmente com sociedades ‘off-shore’ cuja actividade principal é a gestão de carteiras de valores, o que considera igualmente ser normal. Algumas destas empresas actuam nos mercados com créditos concedidos pelo banco, mas Oliveira e Costa assegura que o banco cumpre todas as regras que se exigem. “São sociedades detidas por clientes que querem manter uma cortina de uma certa discrição, mas o banco é obrigado a saber – e sabe – quem e o que está por detrás dessas cortinas”, afirma. E garante que, “tanto quanto é possível saber, não existe qualquer motivo de preocupação, nem em relação aos activos em que estes veículos negoceiam, nem relativamente ao grau de risco a que o banco está exposto”.

Os casos polémicos que levaram ao afastamento das equipas de gestão de bancos em Portugal nos últimos anos estiveram ambas relacionadas com a utilização de sociedades ‘off-shore’ que geriam participações financeiras. No caso da Caixa Central de Crédito Agrícola, na altura liderada por Tavares Moreira, as ‘off-shores’ foram utilizadas para defender artificialmente o valor de títulos que o banco tinha na sua carteira própria. No caso do BCP, as informações que têm transpirado dão conta de que o objectivo fosse idêntico, com a agravante das acções artificialmente inflacionadas serem as do próprio banco.

Crise adia entrada em bolsa

O BPN era uma das empresas na calha para entrar na Bolsa de Lisboa mas, em comunicado, esclareceu que vai esperar pela normalização das condições de mercado. “O eclodir durante o processo da crise dos mercados financeiros levaram-nos, em conjugação com o consultor internacional escolhido, a aguardar o restabelecimento das condições de mercado”, refere o documento. “A morosidade dos trabalhos associados à montagem desta operação” é outra das justificações avançadas para os sucessivos adiamentos para entrar no mercado de capitais. O BNP frisou ainda que “a entrada em bolsa nunca teve uma data fixa predefinida”.

O Grupo BPN


- Sociedade Lusa de Negócios (SLN): é a ‘holding’ que detém as participações financeiras e não financeiras do grupo. As ‘sub-holdings’ BPN SGPS, detida a 100%, detém, por sua vez, a totalidade do capital do BPN, S.A. O Grupo Português de Saúde é detido a 100% pela SLN, SGPS.

- BPN SGPS: esta sociedade engloba o BPN, o BPN Cayman , o Banco Efisa, o BPN Brasil, o BPN IFI (Cabo Verde ), o BPN Crédito IFIC, o BPN Gestão de Activos, o BPN Imofundos, as seguradoras Real Seguros e Real Vida Seguros, as corretoras de seguros AVS e Solução e a corretora Fincor. O BPN Banque (França) é apenas uma sucursal do BPN, com quatro agências, e não um banco autónomo.

- Grupo Português de Saúde: possui o British Hospital em Lisboa, o Centro Hospitalar de S.Francisco, a IMI (Imagens Médicas Integradas), a Cedima, a Microcular e a gestão dos hospitais de São Luís (Lisboa) e Santa Maria (Porto).

- SLN Investimentos: gere o WR Hotel Costa da Caparica, tal como o Santa Maria Park Hotel, em São João da Madeira ou o Hotel do Caramulo.

Mundial de Râguebi

Mundial de Râguebi 2007-09-07 00:05

Selecção entra no negócio dos duros e defronta a Escócia

Primeiro jogo de Portugal é Domingo contra a Escócia. Segue-se a Nova zelândia.

Por Luís Neves Franco e Gonçalo Venâncio

O ‘e-mail’ chegou à federação em Junho, poucas semanas depois da vitória portuguesa por um ponto sobre o Uruguai. No remetente, o selo do IRS francês. No texto da mensagem, uma explicação pormenorizada sobre como deviam ser contabilizados os rendimentos dos jogadores durante a estadia em terras gaulesas. “Ficámos espantados, tal foi a surpresa”, confessa hoje os responsáveis da federação. “Não sabiam que éramos amadores”. A resposta seguiu foi pronta, curta e concisa: “Os nossos jogadores não recebem salários. Jogam por amor à camisola”. No domingo, três meses depois da carta que avisou o fisco francês do amadorismo nacional, Portugal deixa para trás as fragilidades financeiras. A selecção, composta por amadores, enfrenta a Escócia no seu primeiro embate do Grupo C. Para trás ficam quatro meses de treino com uma passagem pelos fuzileiros. E uma dieta que fez questão de colocar mais quatro ou cinco quilos nos ombros dos jogadores nacionais.

Durante esse período de estágio, os advogados, empresários e os jogadores semi-profissionais escolhidos que viajaram para Paris tiraram uma licença sem vencimento. “Chegámos a um acordo com os jogadores para que se pudessem dedicar em exclusivo à preparação para o Mundial” justifica o presidente da Federação Portuguesa de Râguebi, Dídio de Aguiar. Foi a primeira vez que a federação pagou a jogadores. Quanto? “Os valores variam, acrescenta. Mas ficam muito aquém do jogador que mais recebe neste campeonato - Matt Giteau, australiano, 75 mil euros por mês.

Para este Mundial, os “Lobos”, nome de código da selecção, levam mais de 470 mil euros, uma injecção suplementar para o orçamento da federação. Ao todo, o orçamento da federação ronda os 2,65 milhões de euros. Os principais financiadores foram o Instituto de Desporto de Portugal (IDP), com 210 mil euros, o Instituto de Turismo, com 40 mil euros, e o International Rugby Bureau (IRB), com 222 mil euros e o pagamento de todas as despesas do estágio de 10 dias no Canadá e da participação no Mundial, para além dos patrocinadores.

Este aumento deriva do crescimento das receitas provenientes dos patrocínios e do protocolo assinado com o IRB. Em termos percentuais, a comparticipação do IDP representava, em 2003, 95% do orçamento. Neste momento, este mesmo valor representa 50%, os patrocínios 25% e o IRB o restante. Apesar destes números terem duplicado nos últimos quatro anos, a realidade do râguebi nacional continua a anos-luz das outras equipas no Mundial. Em termos comparativos, o orçamento da federação nacional é mais pequeno do que uma equipa de râguebi da segunda divisão francesa.

Uma das principais fontes de receitas do râguebi noutros países, os direitos televisivos, é negada a esta modalidade em Portugal. “Desde o princípio, exceptuando o Mundial, todas as transmissões tinham que ser suportadas por nós. Quando contactámos a RTP2, que está supostamente aberta à sociedade civil, disseram-nos que tínhamos que pagar os custos de produção. Em Portugal tudo se paga”, criticou Rafael Valverde, que acumula a vice-presidência do BES Investimento com as funções na federação. “É estranho que a RTP, canal de serviço público, transmita todos os jogos de futebol de selecções AA, sub-21 e muitas vezes escalões mais baixos, e deixe o râguebi de fora. O ‘lobby’ do futebol é muito poderoso e obscurece muitos dos desportos ‘amadores’”, considera Jaime Carvalho, presidente da Secção de Râguebi da Associação Académica de Coimbra.

Outro problema é a falta de uma cultura desportiva em Portugal, o que dificulta a formação de atletas. “Em França, por um lado, temos as escolas que têm os alunos, por outro, as câmaras que têm as infra-estruturas, e, depois, os clubes que têm a parte técnica e de formação relativamente aos vários desportos. Para haver cultura desportiva é preciso que as pessoas façam desporto logo na escola”.

Nova CEO desde Maio

“O IRB, para além de querer uma maior profissionalização dos atletas, também quer, e apoia financeiramente, que a própria federação se profissionalize”, afirma Rafael Valverde. O primeiro passo para esta mudança foi dado com a contratação, em Maio, de uma CEO, Alda Borges Coelho, contratada à Jerónimo Martins. Um dos maiores problemas que os “funcionários têm é que os dirigentes estão num regime de ‘part-time’”, reconheceu o vice-presidente. Na lista dos sete elementos da direcção, todos exercem uma profissão, ocupando cargos de destaque na Galp, Somague, Tabaqueira, Dresdner e BES Investimento. O presidente é médico e acumula o cargo com a gestão de duas clínicas.

Além dos esforços para profissionalizar a estrutura, a ressaca do Mundial é um dos principais desafios. Espanha é o melhor exemplo.

A estreia no Campeonato do Mundo foi em 1999, e, passados 4 anos, estava a jogar no grupo C. Hoje estão apenas um lugar à frente de Portugal, depois do deserto de desinvestimento que foram os últimos anos. “Não tiraram vantagens nenhumas em participar no mundial”, salienta Rafael Valverde. Em termos financeiros, só é possível Portugal “ter sucesso se tivermos um apoio a médio prazo dos patrocinadores”.

Para isso tiveram o cuidado de negociar os contratos de patrocínio a quatro anos, acautelando um futuro que começa já este domingo. “Entramos preparados para morrer em campo”, dizia há poucos dias o capitão Vasco Uva. Contra Escócia, Itália e Nova Zelândia as hipóteses são poucas. Na federação sonha-se com um resultado mágico frente à Roménia, que alimente um negócios e o futuro de uma selecção que se lance este domingo no seu primeiro Mundial.

Oitocentos quilos de avançados

800 kg. È o peso conjunto dos oito avançados da equipa nacional, o que não os impede de correrem 100m em menos de 12 segundos. No 15 ideal destacam-se o capitão Vasco Uva e o “centro” Diogo Mateus. A grande questão é saber como se comportará uma equipa amadora numa modalidade onde, por regra, o mais forte ganha. Entre os opositores que a equipa nacional vai enfrentar, sobressai de imediato um colosso: a temida Nova Zelândia. A equipa número um do ‘ranking’ mundial, eterna favorita à conquista do ceptro, apenas venceu o campeonato na sua edição inaugural, em 1987. Fisicamente muito fortes, os míticos “All Blacks” imprimem um ritmo demolidor ao seu jogo. Dan Carter (1,79m e 92kg) é uma das vedetas de uma equipa que pode colocar facilmente dez dos seus jogadores no “15 de sonho” do Mundial. Neste contexto, o que será um bom resultado para Portugal? “Perder por menos de três dígitos”, afirma sem qualquer ilusão Dídio de Aguiar, presidente da Federação.Mas não é só a Nova Zelândia a impor respeito. Antes, na jornada inaugural do campeonato, Portugal vai encontrar a Escócia, um histórico do râguebi que teve uma participação decepcionante no último torneio das Seis Nações. Os actuais décimos primeiros classificados do ‘ranking’ são caracterizados pela sua fortíssima ponta avançada na qual se destaca Chris “Mossy” Paterson, um “chutador” temível de qualquer ponto do terreno. Os escoceses apontam para o segundo lugar do grupo, mas vão contar com a forte oposição da Itália. Donos de um râguebi elegante, ao melhor estilo latino, os “Azurri” contam nas suas fileiras com alguns jogadores argentinos e neozelandeses que acrescentam força ao seu jogo. Actualmente na nona posição do ‘ranking’, os italianos defrontaram os“Lobos” na fase de apuramento para este mundial. Resultado: 83-0 a favor dos “Azurri”.

quinta-feira, maio 29, 2008

Prémio de Jornalismo BES/RSE


Sustentabilidade e responsabilidade social empresarial

Luís Neves Franco vence a 3ª Edição
do Prémio de Jornalismo BES/RSE


O Prémio de Jornalismo BES / RSE foi hoje entregue ao jornalista Luís Neves Franco, vencedor da terceira edição desta iniciativa, que se distinguiu pelos seus artigos publicados jornal Diário Económico. O anúncio do grande vencedor de 2007 foi divulgado num encontro que reuniu jornalistas e personalidades ligadas ao mundo empresarial e a iniciativas de responsabilidade social.

O orador convidado, José Luís Blasco, director dos serviços de sustentabilidade da KPMG Espanha expôs uma apresentação sobre o poder dos media na divulgação e na consciencialização da sociedade para as questões de responsabilidade social. José Luis Blasco salientou que “os meios de comunicação têm sido uma das principais forças impulsionadoras para que o conceito de desenvolvimento sustentável esteja presente na agenda dos gestores das empresas, de todo o Mundo. Actuam como uma caixa de ressonância capaz de aproximar as empresas das expectativas da sociedade, contribuindo para que esta conheça melhor, e dê valor, às repostas que as empresas desenham para corresponder às suas expectativas”.

O prémio, que tem por objectivo valorizar e estimular a produção de trabalho editorial sobre os temas da sustentabilidade e da responsabilidade social, diz respeito a trabalhos publicados ao longo do ano de 2007 e tem um valor pecuniário de 7.500 euros. O trabalho de Luís Neves Franco foi eleito por unanimidade pelo júri pela qualidade e carácter pedagógico dos seus artigos.

No que diz respeito à avaliação e premiação, a RSE Portugal estabeleceu a criação de um Júri a quem coube a avaliação das peças jornalísticas e a escolha do vencedor. Em 2007 o Júri foi constituído por João Pedro Góis (OIT- Organização Internacional do Trabalho), Luís Rocharte (BCSD Portugal- Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável), Gonçalo Pernas (RSE Portugal- Associação Portuguesa Para a Responsabilidade Social das Empresas em Portugal) e Maria João Nicolau Santos (Instituto Superior de Economia e Gestão).

O Banco Espírito Santo e a RSE Portugal – Associação Portuguesa para a Responsabilidade Social das Empresas – são os promotores desta iniciativa, que na primeira edição premiou Maria Ana Barroso por um trabalho publicado no jornal Semanário Económico e na segunda edição Blandina Costa por um trabalho no Jornal no Público (Dia D). Ao premiar os melhores trabalhos que tenham por base o tema da responsabilidade social e dos hábitos de sustentabilidade, o Prémio de Jornalismo BES/RSE visa contribuir para a divulgação alargada destes conceitos enquanto parte relevante do modelo de gestão adoptado pelas empresas.

O Prémio BES/RSE, abrange matérias relacionadas com o desenvolvimento sustentável e a responsabilidade empresarial, tais como a preservação do meio ambiente e do património cultural, a promoção dos direitos humanos e das relações com accionistas, consumidores, comunidade, colaboradores e fornecedores, através de um levantamento dos trabalhos jornalísticos realizados e publicados ao longo de 2007 nos jornais e revistas nacionais e regionais, generalistas e especializados.